16/12/07

Carta ao Chefe

Por: Custódio Fernando Armando
Vula Magina de Aleluia
In: Denuncias

Meus colegas não só os de ofício mas também os de labuta me chamariam de Puxa Saco só pelo facto de estar a me dirigir aos chefes. Ainda que estivesse cego pela ignorância estaria mesmo assim suficientemente informado do papel do Senhor (chefe) na empresa. De grande preponderância, o chefe surge como que um motor para o carro que caminha rumo à mais longa distancia e isso, ninguém já mais ousou em negar.

O que não entendemos senhor, e desculpa-me se o que vou dizer me venha custar o emprego, é como é possível o senhor ser tão exigente? Reconheço que se não estivesse em cima de nós, este carro estaria paralisado ou então estaria como que um barco à deriva. Mas, as vezes penso senhor director, (delegado ou seja lá o que senhor é) que seria muito melhor se antes de nos exigir trabalho nos desse as tais condições de trabalho.

Os colegas que o senhor os delegou como de chefes de departamento, só passam por aqui quando sabem que precisam de uma coisa que nós temos que fazer. E até acho que eles são mal-educados. Esquecem-se que ontem trabalhamos juntos. Ainda esta manha, um deles ofendeu a empregada de limpeza dizendo que tinha que voltar a escola ao invés de fazer muitos filhos. O problema senhor chefe, é que quando a colega era nova, não podia ir a escola porque só os rapazes na aldeia dela é que tinham que aprender a ler e a escrever. Mas também a escola era só até a segunda classe.

Chefe, estava aqui a pensar também, se o chefe na sua benevolência pudesse inventar um subsídio que se chamasse subsídio de vestuário. Temos um colega que nem se quer sabe o que vai vestir amanhã quando cá voltar. Não porque a mulher deles não tenha os dotes domésticos. Muito pelo contrário! É que o uniforme que tem é tão antigo que de tanto lavar é muitas vezes confundido com camisa de noite, pois é muito transparente que dá até para notar quão profunda e faminta está a sua barriga. Só para se recordar, senhor, o colega que me refiro é esposo daquela senhora que o senhor quase atropelou ontem enquanto ia bem no conforto do seu Toyota Prado. Não vi a razão pela qual o senhor a chamou de analfabeta, e quis que ela voltasse para o mato. A estrada em que o senhor dirigia não é uma auto-estrada e sendo no centro da cidade tinha que haver pelo menos um sinal de transito identificando passagem para os peões.

Voltando ao assunto da senhora esposa do colega, acompanhei o seu caminho depois do incidente, e reparei que teve um dia batalhador chefe. Antes de cruzar-se com o senhor na rua sem sinalização de passagem de peões ela teve que correr numa velocidade cruzeiro, fugindo da policia que a todo custo queria pôr mão na banheira que ela carregava, por considerar o negócio de informal constituindo assim fuga ao fisco. Mas o que é este fisco que o chefe tanto fala? Será que agora o fiscal mudou de nome assim como a corrupção se chama agora “Gasosa”? É que agora tudo muda de nome! Até o gatuno hoje já se chama “Operativo”! Ouvi de outras paragens que o chefe quer que esta senhora e os demais colegas façam os seus negócios dentro de um mercado construído para tal. É louvável a iniciativa, mas não seria muito mais louvável se o tal mercado que o senhor mandou construir fosse um pouco mais espaçoso para acolher todos estes colegas? É que tentamos enquadrar a esposa do colega que até fez inscrição na administração municipal e tudo indicava iria mesmo vender no novo mercado. Mas quando menos esperávamos, nos disseram que um amigo do chefe fez um pedido e o chefe não pôde recusar. Coisas da vida chefe. Eu entendo. Mas como a senhora não conseguiu estar a vender no mercado novo, teve mesmo que voltar a vender na rua.

E naquele dia, depois que o senhor quase atropelou a mulher do colega, ela chegou em casa cansada tanto do susto que pegou, como do cansaço da corrida. O colega não soube do acontecido e logo ao lhe ver entrar, foi contra ela, primeiro verbalmente porque não cozeu a calça que ele vestiu e passou uma vergonha ao chegar no trabalho. Para recordar ao senhor, é aquele uniforme que eu disse que parece uma camisa de noite de tanto ser transparente. Na verdade ele vestiu a roupa ainda sem o tal rasgo. Como teve que subir no carro de boleia que no instante apareceu, já que estava atrasado e não temos autocarros públicos, esqueceu-se que o tecido ficou muito leve e frágil que ao levantar a perna, desfez a costura original.

Tudo isso passou despercebido ao colega. Incluindo a corrida que a mulher teve que participar e o susto que levou quando o chefe quase a atropelou na rua sem sinalização de passagem obrigatória para peões. O Colega não soube dos incidentes, e também não quis saber se a mulher não era a culpada do desmanche da calça e partiu logo para a pancadaria. Aquilo durou a noite toda, ninguém na vizinhança conseguiu pregar os olhos, a mulher teve que exilar-se na casa ao lado e acho que ainda hoje as famílias vão reunir-se. É por esta razão que o colega veio com a cara desfigurada, teve que recorrer ao alambique bem em frente de sua casa para ver se esquecia dos problemas. Não sei se conseguiu porque enquanto bebia, reclamava que o salário era muito pouco, e que a mulher não sabe cozer, e que o chefe vai lhe ralhar por chegar bêbado ao trabalho.

Mas o colega não foi o único que teve seus problemas, o outro colega também teve uma noite difícil. Hoje de manha me disse que tem a filha hospitalizada. Coitada da menina ardia de febres enquanto os pais batiam a porta dos vizinhos as duas da madrugada em busca de socorro. Estava aqui pensando se ao menos tivéssemos um posto médico que não fechasse as dezoito, ou se pelo menos a ambulância do hospital não trabalhasse período único das oito as quinze horas e que os “operativos” não levassem os fios dos telefones públicos ou ainda se os cartões de saldo dos telefones móveis fossem mais baratos, talvez daria para socorrer a menina um pouco mais cedo e não tivesse hemoglobina baixa. O colega me perguntou se as bicicletas de crianças já não são mais BMX? Porque ele sabe que bina é diminutivo de bicicleta, e como a filha lhe pediu uma como presente de aniversário e ele não tem dinheiro para comprar, achou que estaria na base da doença da filha. A tal hemoglobina, falta de bina conforme ele me disse.

Ah chefe, já estava a esquecer. Passou por cá a jovem moça que vem sempre. Ela reclamava que quer outro carro. Disse que o RAV 4 já está fora de moda. E que agora quer um VX. A empregada de limpeza que o chefe de secção ofendeu me perguntou se a moça que vem sempre a procura do senhor também recebeu crédito no banco. Porque o outro colega que está preso por condução ilegal, foi apanhado ontem de noite num acidente que teve com o carro novo dos sete mil dólares que o banco emprestou para pagar daqui a trinta e seis meses e o mais agravante é que estava a “lavar” o carro.

O meu relatório termina aqui. Sei que o senhor não contava com esta missiva, mas felizmente na entrada do meu gabinete está escrito “recursos humanos” e não “ver ouvir e calar”. Não estou a fazer nenhuma campanha para subir de lugar, assim como os meus colegas me chamaram de puxa sacos do chefe, até porque sei que as minhas palavras podem me custar o desemprego.

* Radialista e Escritor
Publicado no site: www.soudemalanje.blogspot.com

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